Formado em design pela PUC do Rio de Janeiro, Leonardo Jarlicht teve o primeiro contato com produtos feitos de materiais reaproveitados durante o período de estágio. Ele se interessou pelo tema e, em 2020, começou a desenvolver um material feito a partir de sacolas plásticas.
Hoje, é dono da Vaique, marca de bolsas produzidas a partir desse reaproveitamento. A empresa faturou R$ 175 mil em 2022 e, recentemente, participou da Semana de Design de Milão, que ocorreu entre os dias 18 e 23 de abril.
O empreendedor aproveitou o convite para lançar um novo produto. “Foi um ótimo momento para mostrar o trabalho feito e conhecer e conversar com os transeuntes. Poder ver e entender o potencial de desenvolvimento de materiais de baixo impacto que temos é de grande importância para que tais iniciativas sejam cada vez mais abraçadas por outras marcas, empresas e pessoas”, conta.
Idealizando um material
Um estágio feito na Maré Relógios, marca que produz relógios com madeiras reaproveitadas, foi um dos momentos em que Jarlicht teve contato com produtos sustentáveis. O dono da empresa também era seu professor na faculdade e sempre o incentivou a fazer pesquisas.
Foi justamente por meio de um projeto acadêmico para a graduação que a ideia do material utilizado pela Vaique surgiu, divulgou o portal Um só planeta.
Em 2020, Jarlicht começou a refletir sobre como a pandemia afetou descarte de plástico nos lares, e quis entender melhor a coleta seletiva e a destinação desses materiais nas cooperativas. “Quando jogo o meu lixo em casa, a vida dele não acaba ali. O lixo vai para algum lugar, e eu preciso entender para onde”, diz.
Naquele ano, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, mais de 13 milhões de toneladas de materiais plásticos foram descartados no Brasil.
O empreendedor percebeu que plásticos maleáveis, como a sacola e outros invólucros plásticos, não são vistos como lucrativos para as cooperativas, por serem muito volumosos. Jarlicht exemplifica que, para chegar a um quilo de garrafas PET, é necessária uma média de 15 a 20 garrafas; no caso do plástico maleável, são cerca de 150 a 170 sacolas. Assim, segundo ele, as cooperativas nem sempre separam esse tipo de resíduo.
“A solução foi criar um material que pudesse resgatar e reaproveitar esse plástico nas cooperativas e em empresas antes do descarte”, conta Jarlicht.
Outro motivo para decisão foi a simplicidade da produção desse tipo de material. O empreendedor explica que o processo de reciclagem comumente realizado consiste em transformar o plástico em pequenos grânulos, e só depois utilizá-los na produção de um novo material plástico. No método desenvolvido por ele, essa etapa é eliminada, pois o material final carrega as características das sacolas.
“Ele vai ser um pouquinho mais robusto, vai ser encarado como se fosse uma lona, mas vai ser tão versátil quanto um tecido ou uma lona padrão que você compra em uma casa de tecido convencional”, explica.
Jarlicht conta que elaborou um processo de produção patenteado que estabelece um novo ciclo de reaproveitamento do plástico, levando em consideração gastos de energia e água, produtividade e replicabilidade.
De estudo a negócio
Aos poucos, a ideia da pesquisa tomou novas formas, e Jarlicht passou a produzir bolsas. O empreendedor diz que escolheu produzir esse acessório por ser algo que as pessoas usam no dia a dia, além de “fechar um ciclo” por ter a mesma função que uma sacola plástica. Assim, no final de 2021, ele fundou a Vaique.
A marca hoje tem uma fábrica localizada no centro da cidade do Rio de Janeiro, com capacidade para absorver duas toneladas de plástico por mês. Duas pessoas trabalham na produção do material, e três são responsáveis pela parte da costura. Por mês, cerca de 800 quilos de plástico são coletados em cases de tecido da cidade.
Mais do que um acessório funcional, as bolsas da marca são divulgadas e vendidas como um objeto de moda. “Eu quero que a sustentabilidade entre na marca como uma coisa padrão não com um diferencial”, diz o fundador.
O primeiro modelo de bolsa desenvolvido pela Vaique utiliza o material 100% reaproveitado no lugar de tecidos têxteis. Além dele, são acrescentados apenas aviamentos e itens necessários para a confecção, como as alças.
“Acredito que todo e qualquer material que agregue valor ao produto, dando mais durabilidade e garantindo o uso contínuo sem problemas ou danos, está de acordo com conceitos sustentáveis. O que optamos é por consumir os aviamentos de empresas com algum tipo de certificação de controle de produção”, explica.
Outro produto criado pela empresa é a shoulder bag, que hoje faz mais sucesso entre os clientes. O modelo é composto por 75% de material reaproveitado, o que dá mais maleabilidade à bolsa. Nesse caso, são usados materiais têxteis novos, que também tenham certificação.
Leonardo disse: Design é conectar, entender valores, comportamentos, questionar, acima de tudo, o processo e a busca inacabável pelo saber e as suas implicações. Fotos: Vaique
Em Milão
O empreendedor aproveitou a Semana de Design de Milão para lançar a shoulder bag .
“Eu achei uma surpresa muito grande porque eu sempre sonhei com isso, mas nunca esperava que acontecesse”, conta o empreendedor sobre a experiência. Ele participou da exposição “Temporal”, promovida pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).
A ação teve como objetivo mostrar a produção contemporânea de 50 autores e marcas que pensam na preservação do ecossistema. A Vaique ainda estava presente na materioteca do evento, espaço separado para novos materiais e suas aplicações.
Ele conta que o convite surgiu após a participação em uma feira em São Paulo, na qual expôs uma poltrona estofada com o material da marca, produzida em parceria com o designer Felipe Fonseca. “Quando eu descobri que foi por conta dessa parceria com designer que eles se interessaram, entendi realmente a importância de estar nos eventos”, conta.
Jarlicht acredita que estar presente em feiras e eventos não só foi importante para que a empresa fosse reconhecida em Milão, mas também o que fez a Vaique crescer.
Por utilizar um material que a maioria das pessoas não conhece e que, num primeiro momento, pode causar estranhamento, ele diz que estar nesses lugares é importante, pois as pessoas têm a possibilidade de tocar no produto e entender melhor como é o material.
Para além da shoulder bag lançada recentemente, a expectativa da Vaique para 2023 é se voltar para os brindes institucionais de empresas. “Em termos de ideologia, uma grande empresa te adotar em vez de adotar um produto de brinde que vem da China já é um ganho gigantesco”, comenta Jarlicht.
Ele conta que, em janeiro, a marca produziu 900 bolsas de brinde para uma empresa, recuperando 275 quilos de plástico.
Vaique tem o objetivo de reaproximar o descarte de certos materiais plásticos, apresentar novos materiais e fomentar novas práticas de consumo, finalizou o empreendedor em entrevista ao portal Um só planeta.