O artista amazonense Emerson Munduruku, 28, que dá vida a drag queen Uýra Sodoma, está em residência artística na Áustria, onde permanecerá por um mês. O artista fará parte de uma exposição e outras atividades artísticas, como performances, oficinas e rodas de conversa de foco decolonial na cidade austríaca de Innsbruk e na capital, Viena.
Emerson, biólogo de formação, arte-educador é um exemplo de artista conectado com a floresta, visa ensinar sobre preservação ambiental com muita personalidade e estilo.
Ele viaja para comunidades fluviais da região levando coscientização por meio da personagem, nascido em 2016.
Ele criou a Uýra Sodoma a drag queen amazônica, performer artística e ponte entre mundos, ou como ele mesmo descreve no Instagram, “uma árvore que anda”. Durante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, quando diversas manifestações artísticas tomaram conta de Manaus Emerson passou a buscar a sua maneira de contribuir com o debate.
O transformação do artista em Uýra dura mais de uma hora. Vestido com uma saia até o tornozelo, quase sempre com o torso nu, pintada de amarelo, verde, ou vermelho, e usando uma coroa de folhas, ou flores. Uýra usa como expressão estética sementes, ramagens e outros materiais naturais que colhe antes de sua metamorfose.
Em evolução contínua, o resultado nunca é igual. Quase como uma extensão da terra, ou como um animal camuflado na floresta, ensina jovens de comunidades amazônicas a se conectarem com a natureza e a como protegê-la.
A Exposição e os paralelos de violência
O artista relacionou a violência nazista na Europa, e a própria violência colonial e atual contra os povos indígenas.
“Sou indígena, de território brasileiro – lugar que tem um passado de extermínio dos povos originários muito maior, e menos divulgado, que o próprio Holocausto. Enquanto que na Alemanha, em torno de 6 milhões de Judeus foram assassinados, na América do Sul temos dados de extermínio de aproximadamente 70 milhões de indígenas. Nosso Holocausto foi ainda maior, mais brutal, e a política brasileira e mundial fez questão de esquecer”, disse.
Ainda Emerson, “para piorar, atualmente estamos sob comando de um presidente que deixa explícitas as suas convicções políticas genocidas – muito inspiradas na política nazista. Saiu do território que piso agora, Áustria e Europa, a violência colonial que mata indígenas até hoje no Brasil. E vim para expor isso em tudo que fizer aqui”, afirmou.
O convite
O artista recebeu o convite das curadoras Ivana Marjanovic e Marissa Lobo, que é brasileira, para participar da exposição ‘Resurgences of Amazonia!’ junto à artista indígena Moara Tupinambá. Pontes falou um pouco sobre suas atividades na Europa.
“Essa exposição, de perspectiva decolonial, a “Resurgences of Amazonia!,” é a principal razão de eu estar aqui. Além dela, participarei de rodas de conversa sobre o impacto do colonialismo europeu sobre povos indígenas no Brasil e caminhos de cura. Também apresentarei performances sobre o tema nas cidades de Innsbruck e Viena na Áustria. Aproveitando a estada e temporada aqui, reapresentarei estas performances no Castello di Rivoli Museo d’Arte Contemporanea, na Itália”, afirmou.
Enfrentando a colônia
Emerson também falou sobre como enfrenta em seu trabalho o colonialismo e suas ideias, e como ocupar um espaço como a Europa é importante nisso.
“Ser artista é comunicar sobre mundos, para os muitos mundos. É refletir a época em que vivemos e, para mim, expor doenças coloniais propondo caminhos de cura. Venho à Áustria para, a partir deste território colonial e da linguagem da arte, contar não apenas expor as desgraças as quais nos colocaram, como indígenas, mas também reafirmar que elas estão atravessando. Que sabemos o que nos adoeceu e que estamos curando. Enquanto indígenas amazônicos e de outros territórios “brasileiros”, são vistos historicamente na Europa como exóticos, quero mostrar nossa capacidade crítica, política e de generosidade – que deseja revisar os passos coloniais, para que tenhamos uma outra sociedade – de justiça e cura”, explicou.
As obras do artista serão redimensionadas num tamanho muito maior, e a maioria foi retirada do seu acervo de fotoperformances feitas em parceria com o fotógrafo Matheus Belém. Além disso, a artista pretende estreitar relações com mais artistas de outros locais e com outras instituições que possam expor seu trabalho. E para o retorno ao Brasil, ela já tem mais coisas em mente.
Fotos: divulgação