Conheça a história por trás da primeira rua de Manaus

A capital do Amazonas é cheia de contrastes. Num lado pode se apreciar um condomínio alto padrão e  metros depois, na mesma rua, uma casa simples até com barraquinha na frente vendendo churrasquinho.

Tal diversidade se deu  porque um povoado pequeno cresceu e se transformou em uma vila, depois em cidade e hoje Manaus tem mais de dois milhões de habitantes.

A leste da cidade, o Rio Negro, escuro, converge para o Rio Solimões, barrento, resultando em um fenômeno visual incrível chamado de “Encontro das Águas”. A combinação dos afluentes forma o Rio Amazonas.

Além das belezas naturais do estado, em Manaus, é possível apreciar joias arquitetônicas da época da colônia consideradas Patrimônio Histórico da Cidade.

Registros históricos indicam que a cidade de Manaus começou na Ilha de São Vicente, com a construção do Forte de São José da Barra do Rio Negro.  

Ilha de São Vicente. Foto: acervo Manauscult

Belle Époque Amazônica

Focando no positivo visitou a primeira rua de Manaus e trouxe peculiaridades da história desde a construção da rua até os dias atuais.

Trata-se da Rua Bernardo Ramos a mais antiga da capital do Amazonas, de acordo com registros históricos.

Arquitetura europeia e todo glamour do velho continente “invadiram” a cidade no fim do século XIX.  Manaus era visto como um bom lugar para viver, reflexo do ciclo áureo da borracha que corresponde ao período da história brasileira em que a extração e comercialização de látex para produção da borracha foram as atividades basilares da economia e desenvolvimento da região.

Um pouco desse passado pode ser resgatado na Rua Bernardo Ramos que inicialmente foi chamada de Rua São Vicente.

A Rua Bernardo Ramos parece uma maquete, com residências alinhadas e coloridas. O local chama a atenção de quem visita aquele espaço, pois ainda mantém preservadas as belezas da época como as primeiras casas e as construções emblemáticas que relembram a “Belle Époque Amazônica” e seu luxo.

Rua Bernardo Ramos, uma das mais bonitas de Manaus. Foto: Dulce Maria Rodriguez

A rua Bernardo Ramos foi a primeira a ser urbanizada na cidade. Hoje, o toque nostálgico da via começa pelo seu calçamento, todo feito em pedra. Frondosas árvores ocupam as calçadas e um casario antigo ladeia a rua, uma das mais antigas de Manaus e uma das mais bonitas também.

As casas  69 e 77 as primeiras moradias   

Todas as residências da via parecem seguir o mesmo padrão. Mas não todas. Quase no fim desta rua, duas moradias saltam aos olhos. Quem por ali passa nem imagina que existem quase dois séculos de história nessas construções.

Tendo sua estrutura feita à base de taipa -barro e madeira- e pedra, as casas 69 e 77 construídas em 1819, trazem consigo a herança da arquitetura colonial e a memória de uma fase em que Manaus deslumbrava de um dos períodos mais ricos e memoráveis, a Belle Époque Amazônica.

Uma das características da arquitetura do período colonial dentro das residências é nítida. Pelas paredes, os contornos da construção são percebidos. Quem olha, pensa: “é muito torto”. Explica-se: é apenas algo construído sem um apoio. Os considerados “erros” da construção, seguem mantidos para conservar a marca do que era.

As construções  utilizaram materiais locais, técnicas tradicionais, tipologias regionais e adequadas ao ambiente. Como utilizaram taipa, se enquadra nesta forma de arquitetura ao se integrar ao ambiente. Usam materiais orgânicos e, principalmente, por ter resistido ao teste do tempo, é considerada sustentável.

Na época, Manaus era uma das capitais brasileiras mais desenvolvidas, com eletricidade, sistema de água encanada e esgotos, museus e cinemas, construídos sob influência europeia.

Casa 69 e 77, antes da reforma. Foto: Acervo Manauscult

Agora centro cultural

Durante a comemoração de 350 anos da cidade de Manaus no ano de 2019, a Prefeitura de Manaus entregou para a população as casas consideradas como as mais antigas da capital depois de terem sido restauradas, para servirem como espaços culturais e abrigarem o acervo de Óscar Ramos, um dos principais artistas do Amazonas.

A Casa 69 sedia a exposição permanente de Óscar Ramos. Obras como pintura, textos, figurinos, produções, desenhos de moda do artista, objetos pessoais como mobílias utilizadas por Óscar, capas de LPs, estarão entre os artigos e objetos expostos no local.

Já a Casa 77 funciona com exposições temporárias de diferentes artistas e tem quadros que nunca foram expostos de Óscar, entre outros materiais.

As casas são como joias da cidade.

O Centro Cultural Óscar Ramos é composto por dois espaços, as casas 69 e 77. Foto: Mário Oliveira/Semcom

Óscar Ramos e sua obra

Óscar Ramos nasceu em Itacoatiara, interior do Estado do Amazonas (distante a 269 quilômetros de Manaus) e é considerado um dos principais nomes das artes visuais no Brasil, tendo, inclusive, realizado trabalhos com grandes nomes da música brasileira, assinando capas de discos de Caetano Veloso, Maria Betânia, Gilberto Gil e Gal Costa, por exemplo, além de trabalhos premiados no exterior.

Ramos possui uma longa trajetória, composta por mais de 60 anos de produção, marcada pelo experimentalismo de apelo universal.

O minimuseu nas Casa 69 e 77 dispõe de um dos maiores acervos de artes visuais do Amazonas. Foto: Dulce Maria Rodriguez

A ilustre vizinhança

No início da Rua, destaca o Hotel Cassina, outro prédio que tem valor porque recebia comerciantes, atores teatrais famosos, seringalistas e senhores da borracha que estavam de passagem por Manaus naquela época.

Mas, com o setor sofrendo queda e a economia na cidade abalada, o prédio transformou-se em pensão e logo após recebeu o nome de ‘Cabaré Chinelo’.

Em 2019, um projeto para reativar mais de 70 prédios públicos de Manaus foi posto em prática. As fachadas foram limpas, elementos históricos mantidos e seu interior revitalizado.

O Hotel Cassina virou o Casarão Cassina. Foto: acervo Manauscult

O prédio, agora funciona como um co-working, um local de trabalho compartilhado. As fachadas foram limpas e grande cuidado foi tomado para preservar os elementos originais, como o gesso feito de pigmento de pó de arenito vermelho. Agora é conhecido como a Casarão Cassina.

Praçã da Liberdade. Foto: Dulce Maria Rodriguez

De início na rua, é possível se deparar, logo de cara, com a Praça Dom Pedro II, inaugurada em 1897 na conhecida atualmente como a Praça da Liberdade.

Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a praça foi construída sobre um cemitério indígena, descoberto no final do século 19, e registrado como sítio arqueológico na década de 60 do século 20.

Quem foi Bernardo Ramos

Bernardo de Azevedo da Silva Ramos nasceu em Manaus em 13 de novembro de 1858, foi político e comerciante, passou a exerceu cargos públicos quando ainda novo, a partir dos 21 anos, sendo eleito Intendente Municipal.

Viajou pela Europa e Oriente Médio, percorrendo a Palestina e o Egito, adquirindo conhecimentos de diversas línguas, entre as quais a língua hebraica, a língua fenícia e o sânscrito, o que lhe permitiu a leitura de diversas moedas.

Foi fundador do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas em março de 1917, e fundador e presidente da Associação de Proprietários de Manaus.

Bernardo Ramos foi dono de uma coleção de moedas que aproximava mais de 10 mil peças, que hoje são expostas no Museu de Numismático Bernardo Ramos, que faz parte do Centro Cultural Palacete Provincial, na Avenida Sete de Setembro.

A rua recebeu o seu nome em sua homenagem.

Arquitetura do Manaus colonial. Foto: Dulce Maria Rodriguez

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