No final de cada tarde, no Espaco Erica Aoto, no bairro Água Verde em Curitiba, a dança transforma energia em confiança, as pessoas descobrem seu poder, e a mágica acontece. Homens e mulheres chegam animados para aprender novos ritmos, seja para arrasar na balada, se entrosar com a galera ou matar a saudade das músicas da sua cidade natal. Mas saem com muito mais do que passos e giros bem ensaiados.
Nesse ambiente acolhedor, a dança se torna uma ferramenta para alinhar corpo e mente, desenvolver autoconfiança e superar limites. Mais do que técnica, as aulas ali promovem uma experiência de leveza e autoconhecimento, incentivando cada aluno a acreditar em si, a se sentir seguro e a curtir a vida de um jeito leve.
Tudo isso graças a Erica Aoto, dançarina, coreógrafa, professora, escritora, enfim artista! Seu foco não está apenas em passar uma coreografia, ela ajuda outras pessoas a descobrirem seu corpo e o que podem fazer com ele. Dança, corpo, movimento e silêncio são as premissas do seu método, porque, afinal, para ela, dançar não é apenas arte. É liberdade, é encontro e é vida.
Erica é uma dessas pessoas que nasceu para dançar, mesmo que tenha levado um tempo para perceber isso. Nascida e criada em São Paulo (SP), ainda adolescente, ela decidiu que queria uma carreira em Matemática, entrou para a USP e, a princípio, parecia estar tudo certo até, que aos 19 anos entrou numa aula de dança de salão e uma faísca acendeu.
Quando a professora perguntou se tinha gostado, Erica respondeu algo que nem ela sabia que sentia: “Sempre quis fazer isso da vida. Quero ser profissional.” A decisão estava tomada. “Parece que foi meu coração falando sem eu saber”, comenta Erica, lembrando o momento que definiu seu futuro.
Se lançou em estilos como tango, forró e até dança do ventre, experimentando todas as possibilidades que encontrava na AABB em SP. Mas seu verdadeiro desenvolvimento veio quando decidiu complementar sua formação com o balé clássico – um desafio que encarou com disciplina e perseverança, mesmo quando a realidade era dividir a sala com crianças de 4 a 16 anos, enquanto ela já estava com 19.
Certezas por sonhos
Enquanto fazia faculdade de Matemática durante a semana, nos finais de semana, a verdadeira paixão a esperava nas salas de aula de dança. Ela fez trajetória na dança esportiva e chegou a competir na Argentina, Equador e em diversas regiões do Brasil.
Com o tempo, percebeu que seu futuro não estava nos números e equações. “Sempre que tinha prova, eu travava, não estava feliz. Estava claro que a dança era o que fazia sentido para mim”, desabafa.
Ao decidir trocar a Matemática pela dança, ela também trocou certezas por sonhos. Mas, mesmo com o nervosismo, Erica começou a estagiar, dando aulas de balé para crianças com uma abordagem lúdica e divertida e ganhando seu primeiro salário com algo que amava fazer.
A sensibilidade para ensinar veio de Simone Fragoso, sua primeira professora de dança de salão, que a incentivou e introduziu ao mundo da didática e da condução de turmas. Apesar de sua família preferir que ele concluísse os estudos, sempre o apoiaram, pois entenderam que a dança era, de fato, o que ela gostava.
Ela também fez parte da Companhia de Ritmos Latinos Conexión Caribe, uma das principais de SP, com a qual participou de congressos mundiais de salsa, aprendendo sobre o ritmo, a cultura e história das danças latinas. “Foram anos de treinos intensos e muitas apresentações”, lembrou.
Descoberta do teatro e resiliência
Após se casar, Erica embarcou em uma nova fase no Rio de Janeiro e precisou se reinventar. Com um espírito determinado, entrou de cabeça na formação em teatro na Faculdade Casa das Artes de Laranjeiras (CAL) e no curso técnico de dança contemporânea na Escola Angel Vianna. Foi um período de descobertas intensas sobre o corpo e o autoconhecimento, mas também de desafios.
Diante das dificuldades no casamento e percebendo que seus sonhos seguiam rumos diferentes dos do marido, o relacionamento chegou ao fim. Foi então que Erica teve que se virar para se sustentar: vendeu risotos, doces, trabalhou como animadora de festas, modelo de maquiagem e bartender.
Mas a dança, sua verdadeira paixão, nunca ficou de lado. Logo, ela estava de volta, ensinando balé para crianças e forró, e construindo uma clientela de alunos particulares.
Entrou em uma companhia de dança, onde passava horas em ensaios que a faziam sentir o pulso da vida artística. Foi um período apertado financeiramente, mas transformador.
A bordo do navio pela Ásia
Quando as contas não fechavam e a vida parecia pedir uma reviravolta, surgiu uma chance inesperada. Uma amiga mandou uma mensagem sobre uma vaga como professora de dança em um navio, e Erica soube, no instante em que leu, que essa era a oportunidade que estava esperando. Sem hesitar, preparou seu portfólio, fez a entrevista em inglês (um idioma no qual já estava confiante, graças ao amor por aprender novas línguas), e garantiu a vaga.
Em setembro de 2019, embarcou para o Japão e começou a trabalhar em um cruzeiro pela Ásia, onde ensinava dança de salão em inglês para o público chinês. Em seis meses, Erica se viu encantada pela experiência.
Além das aulas, aprendeu italiano e até namorou um italiano – e se dedicou tanto que hoje fala italiano melhor que inglês! A isso somam-se o francês e o espanhol que ela também domina.
Mas, como para muitos, a pandemia de Covid-19 mudou tudo, interrompendo o trabalho no navio e forçando seu retorno à casa dos pais.
A pandemia num livro
A pandemia trouxe uma nova fase para sua vida. Após o fim do relacionamento com o italiano que conheceu no navio, ela começou a expressar suas emoções escrevendo crônicas e até fazendo cursos de escrita criativa.
Nesse processo, um encontro casual durante uma aula de acrobacia levou a uma conexão inesperada: ela foi convidada para um projeto de livro coletivo, onde compartilhou histórias sobre sua experiência no cruzeiro.
Escreveu o capítulo intitulado “Welcome on board” no livro: “Todos a bordo” sobre seu trabalho como “Dancing Maestro” mas, essa vivência transformadora foi um divisor de águas, e ela se sentiu inspirada ao ver como suas palavras podiam tocar outras pessoas.
Recomeço em Curitiba
Em meio ao recomeço, veio um novo convite: um amigo DJ que conhecera a bordo do navio a chamou para começar uma nova vida em Curitiba. Assim, com coragem e energia renovada, Erica deu mais um salto, rumo a uma nova etapa, em 2020. Cheia de entusiasmo, ela começou a dar aulas de dança online e fez uma formação em yoga.
No final de 2021, a vida lhe trouxe uma surpresa: reencontrou Whitney Alexander, uma pessoa que havia conhecido em um congresso de forró no dança do Rio de Janeiro hacia 5 anos. Juntos, decidiram se aventurar no circuito competitivo de dança, treinando intensamente.
Esse esforço valeu a pena: o par conquistou o Campeonato Nordestino de Forró e são bicampeões brasileiros de forró.
Com a visibilidade das competições, ela passou a ter mais espaço e alunos em Curitiba.
Método e espaço próprio
Após mergulhar em áreas como teatro, dança contemporânea e yoga, Erica trouxe todo esse repertório para transformar suas aulas de dança de salão em algo único. Ela optou por empreender com seu método no seu proprio espaço.
São turmas com até 14 alunos, para garantir um olhar afiado nas suas aulas de forró. Além de oferecer outros serviços como coreografia para casamento e condução para mulheres.
A abordagem holística de Erica inspira transformações profundas. Alunos relatam uma nova autoconfiança, maior consciência corporal e até o desejo renovado de viver a dança como expressão.
A seguir varios alunos relatam suas experiencias:
Andrés Payema
“Para mim, a dança foi uma abertura para me expressar com mais confiança. A Erica não só melhorou minha técnica, mas também me ensinou a me conectar com quem danço. Fiz aulas particulares com ela e isso elevou meu nível e minha visão de futuro na dança.
Tive até a oportunidade de competir com ela na Dança das Estrelas em São Paulo, uma experiência incrível. Aprecio muito o trabalho que ela faz e sou realmente grato por essa jornada.”
Adriana Kaiser
“Sou psicóloga, e vejo a dança como uma prática essencial. Para mim, a dança não só movimenta o corpo e promove saúde, mas também é uma ferramenta poderosa para liberar as tensões da psique. É um processo holístico, onde não só o corpo se movimenta, mas também a mente e as emoções. Estou há três meses nas aulas com a Érica, e acredito que é algo extremamente importante para o bem-estar geral.”
Mário Pogria
“Estou fazendo aulas de dança com a Érica há quatro meses. Atualmente, estou focado no forró, e tenho descoberto que, além de aprender os passos, a dança me ensina sobre ritmo e conexão. A cada aula, desenvolvo uma nova percepção sobre o meu próprio ritmo e a interação com o parceiro. É realmente uma experiência transformadora.”
Yuri Garcia
“Eu sou o Yuri e comecei as aulas com a Érica em maio deste ano, sem nunca ter dançado nada antes. Aceitei o convite de um amigo e, desde então, não parei mais. A dança tem sido uma atividade incrível, que abriu espaço para conhecer novas pessoas e me aventurar em bailes, dançando até com desconhecidos. Tem sido uma experiência realmente divertida e enriquecedora.”
E o alcance de Erica vai além: ela ensina dança para pessoas cegas em seu espaço e faz um trabalho voluntário, ministrando aulas em um presídio feminino. Essas iniciativas, para ela, são mais que simples aulas de dança; são oportunidades de fortalecer autoconfiança, disciplina e, quem sabe, abrir novos caminhos para quem participa.
Fotos: @dulce_rodriguez_jornalista @ericaaoto
Vídeo: @focandonopositivo