Por seus esforços para salvaguardar a liberdade de imprensa e de expressão em seus países o Prêmio Nobel da Paz de 2021 foi para a filipina Maria Ressa e para o russo Dmitri Muratov. A homenagem, entendida como um endosso à importância do trabalho jornalístico de modo geral.
A decisão do Comitê Norueguês do Nobel, organização responsável pelo prêmio anual, foi considerada surpreendente, mas já se especulava que os vencedores pudessem ser pessoas ou organizações que buscam garantir a liberdade de imprensa, diante da proliferação de informações falsas e dos ataques contra o setor.
O objetivo, afirmou a presidente do Comitê Berit Reiss-Andersen, é “reforçar a importância de proteger e defender” direitos básicos: “O jornalismo livre, independente e baseado em fatos serve para proteger contra abusos de poder, mentiras e propagandas de guerra”, disse ao anunciar o prêmio em Oslo.
A liberdade de expressão de qualquer indivíduo é assegurada desde 1948 pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mesmo assim, às vezes são necessários alguns esforços extraordinários para mantê-la. Os jornalistas Maria Ressa e Dmitri Muratov trabalham pela causa e, consequentemente, desempenham papeis importantes na manutenção da democracia em seus paises.
O Comitê Norueguês do Nobel está convencido de que a liberdade de expressão e a liberdade de informação ajudam a garantir um público bem-informado”, disse Reiss-Andersen.
‘Esses direitos são pré-requisitos cruciais para a democracia e protegem contra guerras e conflitos”.
A filipina
A jornalista Maria Ressa é a primeira mulher neste ano a receber um Nobel. Nasceu em Manila, nas Filipinas, e tem 57 anos. Depois de trabalhar como a principal repórter investigativa da CNN no Sudeste da Ásia durante quase duas décadas, decidiu editar o “Rappler”, um jornal digital.
O Rappler critica e desafia o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, um político cujo governo adotou um sistema violento para combater o tráfico e o uso de drogas.
O que parecia positivo para aqueles que são contrários aos de uso de drogas acabou por se tornar uma guerra em que inocentes são massacrados pelas forças policiais e militares controladas por Duterte.
Segundo estimativas de 2020 da ONU, ao menos 8,6 mil pessoas foram mortas oficialmente e outras milhares perderam suas vidas em circunstâncias não esclarecidas. A conduta oficial é investigada pelo Tribunal Penal Internacional que, no mês passado, disse ter constatado o que parecem ser ataques sistemáticos contra a população civil.
Denúncias de abuso de poder e violência
Há riscos, mas Maria Ressa, ao não recuar, acabou chamando atenção do mundo para a violência do governo de Duterte. As reportagens do Rappler desmentem, com frequência, as campanhas de desinformação da gestão do filipino.
Ela tem se envolvido em batalhas jurídicas nos últimos anos por causa das reportagens críticas de sua agência de notícias sobre Duterte.
“Em uma democracia, precisamos alertar todas as pessoas”, disse Ressa à CNN em 2019 sobre sua luta pela liberdade de expressão. “Essas liberdades estão sendo corroídas diante de nossos olhos. Se você não tem fatos, não pode ter a verdade.”
A academia sueca frisou que “Ressa usa a liberdade de expressão para expor o abuso de poder, o uso da violência e o crescente autoritarismo em seu país natal, as Filipinas”.
Ao saber que havia ganhado o prêmio, Ressa disse: “Desde 2016 eu digo que estamos lutando pelos fatos. Quando vivemos em um mundo onde os fatos são discutíveis, onde o maior distribuidor de notícias do mundo prioriza disseminação de mentiras misturadas com raiva e ódio, e os espalha mais rápido e mais longe do que os fatos, então o jornalismo se torna ativismo”.
O russo
Dmitri Muratov nascido em Kuybyshev – atualmente, a cidade de Samara, tem 59 anos. No começo da década de 1990, o jornalista, associado a mais 50 colegas, decidiu publicar o jornal “Novaya Gazeta”, que, dada sua pegada crítica, rapidamente se tornou uma referência de bom jornalismo.
O jornal o “Novaya Gazeta” (“Nova Gazeta”), financiado inicialmente pelo ex-secretário-geral da União Soviética Mikhail Gorbachev (usou o dinheiro do Prêmio Nobel da Paz), publica denúncias contra o governo ditatorial, violento e corrupto de Putin.
Deve ser uma das primeiras leituras diárias de Putin e seu séquito, que, no jornal crítico, podem encontrar um retrato mais fidedigno do que é a verdadeira Rússia.
Até hoje, o jornal, que é publicado três vezes por semana, continua a oferecer artigos de investigação longos, aprofundados e contundentes, mesmo sabendo que isso coloca seus profissionais sob os holofotes das autoridades.
O jornalismo investigativo é pago com sangue
Em 2016, o Novaya Gazeta denunciou a existência de um complexo sistema de empresas offshore vinculadas ao presidente russo, analisando o material descoberto pelos “Panama Papers”. Estes documentos foram divulgados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês).
Em abril de 2017, o jornal também publicou a existência de “campos de detenção secretos” para homossexuais na Chechênia. Muito respeitado no exterior, o Novaya Gazeta continua sendo um meio ainda marginal na Rússia, onde é lido por uma minoria.
O resultado é que seis jornalistas de sua redação foram assassinados — entre eles Yuri Shchekochikhin, Anna Politkovkaya (o caso mais comentado), Anastasia Boburova e Natalia Estemirova (colaboradora do jornal). Vozes críticas ao governo são com frequência silenciadas
A Russia é uma ditadura que se disfarça de democracia. Um simulacro de democracia, salientou o Jornal Opção.
Numa floresta, o procurador-geral da Rússia, Aleksandr Bastrykin, ameaçou o secretário-executivo da “Novaya Gazeta”. Rindo, ainda teve o desplante de dizer que seria o responsável pela investigação de sua morte.
Ousado, o editor-chefe, Dmitri Sergey Muratov publicou a história — que escandalizou a Rússia.