Não tem trilha melhor para a medalha olímpica de Rebeca Andrade do que o Baile de Favela. É a cara da brasileira de 22 anos, que cresceu na periferia de Guarulhos, deixou a casa da mãe aos 9 anos para se dedicar ao esporte e superou três lesões graves no joelho antes de subir ao pódio das Olimpíadas de Tóquio nesta quinta-feira 29/7.
Com 57,298 pontos, Rebeca só ficou atrás da americana Sunisa Lee, que somou 57,433 pontos e manteve o domínio do país na prova. O bronze foi para a russa Angelina Melnikova, com 57,199 pontos.
E olha que a ginasta pensou em desistir diante das dificuldades da recuperação das cirurgias. Sorte do Brasil que a mãe Rosa Santos não a deixou e foi o pilar para a filha não perder o gingado e encantar o mundo com a prata no Japão.
“Acho que mesmo se eu não tivesse ganhado a medalha, eu teria feito história, justamente pelo meu processo para chegar até aqui. Não desistam, acreditem no sonho de vocês e sigam firmes. Dificuldade sempre teremos, mas temos que ser fortes suficiente para passar por dia“, disse Rebeca.
Ela salientou “tive pessoas maravilhosas que me ajudaram a passar por esse processo, espero que vocês tenham pessoas incríveis para ajudar a chegar no topo assim como cheguei”.
Os primeiros passos – na garupa do irmão
A história de Rebeca Andrade é parecida com a de muitos brasileiros. Ela vem de uma família humilde da periferia de Guarulhos. Com o emprego de doméstica, Dona Rosa sustentava os oito filhos em uma casa de um cômodo onde todos dormiam, e banheiro do lado de fora – graças à ginástica de Rebeca, a família vive em uma casa mais confortável hoje.
Por incentivo de uma tia, Rebeca entrou na ginástica aos quatro anos, em um projeto da Secretaria de Esportes de Guarulhos, no ginásio Bonifácio Cardoso, na Vila Tijuco. Era o irmão mais velho que levava
“Era muito difícil. Minha mãe não tinha dinheiro e eu faltava mais aos treinos do que ia. Ela ficava cansada de ir a pé e voltar do trabalho quando me dava o dinheiro para a passagem. Meu irmão então comprou uma bicicleta e me levava, mas às vezes ela quebrava. Ela pedia dinheiro emprestado para que não faltasse comida. E como não sobrava, não podíamos comprar outras coisas. Roupa eu ganhava das pessoas que me conheciam e doavam” contou Rebeca ao ge quando ainda era uma ginasta juvenil.
Da casa da mãe até o Flamengo
Por vezes, Dona Rosa não conseguia garantir que Rebeca fosse ao treino. A técnica Keli Kitaura, então, fez a proposta de ficar com a menina em casa nos fins de semana. Era um jeito de garantir que aquele potencial enorme não fosse desperdiçado.
Aos 9 anos, Rebeca recebeu outro convite da treinadora: deixar de vez o lar de sua família para acompanhá-la em Curitiba, um importante centro da ginástica artística brasileira.
Dona Rosa deixou a filha seguir seu sonho no esporte. Nos dias ruins, Rebeca ligava chorando para a mãe pedindo para voltar para casa, não estava conseguindo fazer os difíceis movimentos que os técnicos pediam.
Rosa acalmava a filha, que persistia na ginástica de alto rendimento. Ela foi contratada pelo Flamengo e, junto com Keli, se mudou para o Rio de Janeiro.
Quase desistiu após lesão
Rebeca desenvolveu bem sua ginástica e logo foi apontada como uma promessa. Só que as lesões começaram a minar seu potencial ainda na base. Ela estava classificada para as Olimpíadas da Juventude de Nanquim, em 2014, mas teve de passar por uma cirurgia no pé. Viu de casa a amiga Flávia Saraiva lhe substituir e conquistar três medalhas na China.
Rebeca não demorou a recuperar a forma e entrar com tudo no seu primeiro ano na categoria adulta. Pouco antes do que seria sua primeira grande competição, o Pan de 2015, acabou rompendo o ligamento cruzado anterior do joelho direito ao aterrissar ainda girando em um salto durante um treino. A cirurgia era inevitável, e oito meses de uma recuperação dura.
Rebeca temeu não se recuperar mais, ganhou peso e por vezes perdeu a motivação. Voltou a ligar para a mãe e falar que iria desistir. Dona Rosa deu uma bronca, não deixou a filha abandonar a ginástica sem tentar.
Novas cirurgias
Rebeca conseguiu disputar a Rio 2016. Ainda não estava no seu auge físico e não tentou vaga na final do salto, seu principal aparelho, mas foi a decisão do individual geral atrás apenas das americanas e acabou na nona posição.
Em 2017, sem a presença de Simone Biles no Mundial de Montreal, a brasileira chegou como favorita ao ouro do individual geral. Aí teve uma lesão recidiva no joelho durante um salto no aquecimento para o treino de pódio, uma espécie de ensaio geral da ginástica.
A recuperação de Rebeca na segunda cirurgia do joelho direito foi tão boa que ela conseguiu enfim disputar seu primeiro Mundial em 2018, ainda que não tenha se apresentado nos quatro aparelhos.
Em junho de 2019, durante o solo do Campeonato Brasileiro, uma nova lesão no joelho. Rebeca não pôde disputar o Mundial de Stuttgart, competição pré-olímpica e viu a vaga para Tóquio ameaçada.
De Beyoncé ao Baile de Favela
O primeiro solo que viralizou de Rebeca foi o da Rio 2016, com uma trilha de músicas de Beyoncé. A ginasta é fã da cantora americana e adora cantar suas músicas.
“A Beyoncé correu atrás dos sonhos dela sem passar por cima de ninguém. É uma pessoa humilde e isso a fez ainda mais especial. Ela serve de espelho para mim. É uma das seis pessoas mais admiradas por todo mundo. Eu adorei poder tê-la na minha série”, frisou.
Para Tóquio, o coreógrafo da seleção brasileira buscou outra música que apresentasse o Brasil e Rebeca Andrade. Encontrou o “Baile de Favela”. A série ganhou muitos elogios já em março de 2019, quando foi apresentada pela primeira vez em um torneio na Alemanha. Em Tóquio, encantou o Brasil e o mundo.
Com informação do ge